Hoje, ela estaria fazendo 90 anos aqui ao meu lado.
Daí, eu me lembro dela me dizendo ao ouvido naquele érre intervocálico nasalado que me deixava todo teso:
Eu gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes. Eu tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos. Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Então eu acordo. Abro os ouvidos. Só para escutar um monte de merda de um bando de analfabetos funcionais. Uma pena que tenham tirado minhas asas.
– Liga não, ô polaco.
– Quem taí?
– É o Noel:
É tudo João Ninguém
Não têm ideal na vida
Além de casa e comida
Nunca se expôem ao perigo
Nunca têm um inimigo
Nunca têm opinião
- Gente. Eu também quero entrar nesta roda com o meu novo sambinha.
- Diga lá, Oscarzinho:
Daqui para a frente.
Vou parar nos cafés para ouvir historinhas
Coisas da vida
Que um dia vão ter que mudar.
( Do meu samba quase inédito “Tranquilo com a Vida”. Letra minha - Oscar Niemeyer, 103 anos ).
Antes de sair, acabo de me lembrar de uma das minhas primeiras idas de estagiário de jornalismo, no Rio, O Jornal, faz tempo. Copacabana Palace, lançamento de disco do gringo Sérgio Mendes. Na varanda, lá pelas tantas, olhando o mar, o Jorge Amado, o Oscar Niemeyer e este estagiário embabacado de tudo. Entalado de vez. Daí, o Niemeyer se vira para mim e propõe:
– Tá vendo aquela ilha lá no fundo? Vamos ficar calados, nós três (tinha o Jorge…), só para ouvir o som da água batendo na areia fina que dá uns acordes mais suaves que as das Bachianas do Villa Lobos.
E assim ficamos por uns bons tempos…
Moral
Volto para a redação, Rua do Livramento, Santo Cristo, todo borrado de felicidade. Levo o meu primeiro furo de reportagem mas quase perco o futuro porque não tinha nada para escrever. Ficamos os três (eu, Jorge e Oscar), chefe, só ouvindo o som que vinha daquela ilha, bebendo uísque - maná para um estagiário dos tempos em que não existia cota. Foi o meu relato para o meu sargentão primeiro chefe de reportagem.
Não é a toa que me impressionou o que acabo de ler num livro do Celine, Viagem ao Fim da Noite:
- O melhor da vida da gente é sempre a reminiscência.
Inté e Axé!
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